Os primórdios da pós-graduação em contabilidade e o início do PPGCC
• Adaptado do livro Contando História: o Departamento de Contabilidade e Atuária–FEA/USP entre números e palavras. / Organização: Suzana Lopes Salgado Ribeiro -- 1. ed. -- São Paulo: D’Escrever Editora, 2009.

No início da década de 1970, o debate sobre a criação do programa de pós-graduação foi envolto em um debate acadêmico que se polarizava na opinião de dois grupos no Departamento de Contabilidade e Atuária (EAC) da FEA/USP. Um grupo defendia que o curso de mestrado, recém regulamentado na Universidade de São Paulo, deveria se estender à área de Contabilidade depois da criação de condições como: grande dedicação de docentes e discentes; professores com formação no exterior; ligação e acesso aos centros estrangeiros de excelência. Outro grupo, mais pragmático, considerava que, mesmo válida, tal proposta era inacessível e advogava a favor do início do mestrado, enfrentando as limitações e as superando com o tempo. Até então, a pós-graduação existia apenas em nível de doutoramento e funcionava de forma muito diferente da atual. [...] Não era um curso estruturado com disciplinas sistematicamente oferecidas. A ligação era feita por meio da aceitação do orientador. Os professores ofereciam disciplinas de sua responsabilidade e indicavam outros docentes para disciplinas subsidiárias. Todo esse estudo era desenvolvido na interação pessoal entre professores e alunos, que estabeleciam de forma individual suas dinâmicas e metodologias de trabalho, sem classes ou aulas. Como explicou o professor Eliseu Martins:

"Para quem era autodidata, era um modelo ótimo! Agora para quem precisava sentar na sala de aula, era desastroso. Só conseguiria se sair bem quem fosse bom aluno, autodidata, caso contrário não conseguiria o diploma com sucesso. [...] naquela época não havia um exame. O aluno fazia um curso que chamavam de pós-graduação. Tínhamos outras matérias, mas não fazíamos uma dissertação. A gente indicava cinco disciplinas ligadas ao assunto da tese e a faculdade escolhia, dentre elas, três. Tínhamos contato com os professores das disciplinas, que passavam todo um trabalho de pesquisa a ser feito. Era muito complicado. A gente escolhia os melhores professores para serem os chamados subsidiários da tese. Escolhiam-se as melhores disciplinas e os melhores professores. Lembro que escolhi o professor Ruy Aguiar da Silva Leme, que era do Departamento de Administração. Ele simplesmente me pediu para fazer um livro de contabilidade de custos de uma empresa de construção! Escrever um livro destes deve levar pelo menos dois anos! Escolhemos também a professora Lenita, de Finanças, que era muito exigente. Nessa disciplina subsidiária, ela exigiu um exame. A prova escrita começou meio dia e terminou mais de meia noite. Era notável o nível de exigência dessas provas. Preferia fazer uma defesa pública àquele tipo de coisa. Não existia um curso de doutorado, existia um processo de doutoramento. O aluno tinha um professor orientador e fazia as disciplinas que ele desse. Fazia ainda algumas disciplinas chamadas subsidiárias com outros professores. Mas não tinha curso. O aluno recebia a tarefa dos professores e indicações de qual bibliografia deveria ler. Aí, dependia muito de cada professor, tinha professor que exigia que fosse lá todo mês conversar, levar suas pesquisas, seus trabalhos, resumos. Outros mandavam voltar daqui um ano para fazer uma prova para avaliar o que tinha aprendido. Era um processo individual. (Eliseu Martins)"

Iniciativa importante para a história do Departamento no sentido de consolidar o ensino e a pesquisa foi a consolidação do plano de criação do curso de mestrado, no segundo semestre de 1970. O grupo que defendia o início imediato do curso de mestrado ganhara a disputa que tinha se instalado. Sob a coordenação do Professor Hirondel Simões Lüders e a chefia do Departamento nas mãos de Antonio Peres Rodrigues, iniciava-se o Mestrado em Contabilidade. As primeiras disciplinas oferecidas foram: Matemática Financeira, ministrada pelo professor Antonio Pereira do Amaral; Teoria Contábil do Lucro, criada pelo professor Sérgio de Iudícibus; e Contabilidade Decisorial, organizada pelo professor Alkindar de Toledo Ramos.



A internacionalização da formação de professores foi se consolidando progressivamente. Destaca-se neste período inicial a realização do mestrado de Stephen Charles Kanitz na Universidade de Harvard. E também os estágios realizados com a então Coopers & Lybrand, pelos professores Sérgio de Iudícibus e Eliseu Martins, durante o ano de 1971, nos EUA. Com a aprovação do mestrado, alunos como Masayuki Nakagawa puderam iniciar sua pós-graduação:

"Comecei o mestrado em 1974. Antigamente, era um pouco mais tranquilo do que é hoje. Atualmente, você tem prazos, limites, acho que são dois anos e meio que a CAPES exige. Naquele tempo não, poderia fazer o mestrado em dez anos. Fazia a disciplina espaçadamente e, além disso, as matérias eram feitas com meus amigos: Eliseu, Sérgio, Stephen, Catelli, Rolf. Era muito gostoso, em sala de aula eram poucos alunos. Eram todos professores da escola e a gente levava a sério. Eu acho que a primeira disciplina que fiz foi a do Sérgio, Teoria da Contabilidade, depois veio o Eliseu com Teoria Contábil do Lucro, o Catelli com Custos, Rolf com Análise e Balanços, o Alkindar também foi muito importante."

Enquanto isso, titularam-se como mestres os professores do EAC: Wlademiro Standersky (1975), Antonio de Loureiro Gil (1976), Masayuki Nakagawa (1976), Cecília Akemi Kobata Chinen (1976), Massanori Monobe (1976), Sérgio Rodrigues Bio (1976), Lázaro Plácido Lisboa (1976) e José Rafael Guagliardi (1977). Ainda em 1977, o então bolsista do Banco Central Iran Siqueira Lima conquistou seu título de mestre após uma seleção nada simples, que foi narrada por ele nas seguintes palavras:

"Resolvi que precisava estudar um pouco mais. Já tinha alguns contatos aqui com a USP, inclusive com o professor Peres. Foi quando surgiu a possibilidade de vir prestar a prova para fazer o mestrado aqui na Universidade de São Paulo. Lembro bem, fiz a prova em janeiro de 1975. Tinha tirado férias para estudar. Era uma prova bem prática de Contabilidade, Matemática Financeira, alguma coisa de Cálculo e depois tinha uma entrevista. A prova tinha umas questões difíceis, sabia que tinha ido bem em uma parte e mais ou menos na outra. No final, acabei sendo chamado porque era analisado o currículo também, não era só a prova. Consegui nota para passar. Entrei no chamado curso de mestrado em Contabilidade e Atuária. Devo ter sido uma das pessoas que fez o curso mais rápido, porque como o Banco Central me deu bolsa integral, fiquei só estudando. Sei que consegui fazer todos os créditos em menos de um ano e já preparei a dissertação. Acho que em menos de um ano e meio estava tudo defendido."

O novo sistema de Pós-Graduação stricto sensu foi implementado no Departamento de Contabilidade e Atuária em 1970, tendo a seleção de alunos feita em 1971. Sua filosofia era formar professores-pesquisadores e qualificar pessoal para a atuação profissional. Esses dois objetivos funcionavam e funcionam de forma complementar, posto que o desenvolvimento do mercado exigia uma melhor formação profissional. Desta forma, era preciso também ter professores mais qualificados. Com isso, a pós-graduação ganha importância e o grupo de professores que formavam o Departamento passam a influenciar o pensamento contábil brasileiro, por meio de sua atuação profissional, de suas publicações, e também por formar novas gerações de contadores que passavam a, na Universidade de São Paulo, diferenciar seus currículos e melhorar sua formação cursando o único mestrado existente na área de Contabilidade. O mestrado do Departamento acabou por se concentrar no que se denomina Contabilidade Gerencial e Contabilidade Societária. Na primeira área de concentração destaca-se uma parte aplicativa e gerencial, permitindo ao profissional e pesquisador possuir habilidade de analisar informações e utilizar todo o potencial que a Contabilidade oferece. Na segunda, dá-se atenção especial aos princípios fundamentais da Contabilidade e sua teoria. Nesse campo, a Contabilidade se apresenta como elo entre instituição e usuário externo, envolvendo o estudo de legislação a respeito, além de formas de avaliação, técnicas de análise e projeção.


Mais recentemente, destaca-se na pós-graduação o desenvolvimento das técnicas quantitativas, desenvolvimento tal que por vezes é criticado, como ocorre na fala do professor Sérgio de Iudícibus.

"Era importante introduzir essa questão, porque os contadores eram totalmente ignaros de métodos quantitativos, e perdia muito para os politécnicos, para os economistas e outros. Só que agora está acontecendo um exagero. Eu, que fui um dos iniciadores dessa teoria aqui no Brasil, hoje sou contra esse excesso. Só se consegue publicar artigos puramente quantitativos, de teoria positiva. Isso não é correto."

Como todas essas frentes caminhavam de forma a se complementarem, os estudantes de pós-graduação oriundos de diversas partes do Brasil podiam estudar em livros que vinham sendo publicados pelos próprios docentes, de modo a ampliar o vínculo com a realidade contemporânea do país e a aplicabilidade do conhecimento produzido em sala de aula.